supercrônico

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crônicas, contos e poesias

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A eternidade dentro de um busão

Eternidade é um conceito filosófico que se refere no sentido comum ao tempo infinito, algo que não pode ser medido, a eternidade é uma duração sem alterações ou sucessões.
Cada um tem uma forma de definir o que é eterno ou não.
O décimo primeiro livro das Confissões de Santo Agostinho revela  um documento a respeito da eternidade na visão cristã . Para quem não sabe, Santo Agostinho é um dos maiores teólogos já existentes, rivalizando com São Tomás de Aquino em importância para o catolicismo.
Mumm-ra, inimigo antigo dos Thundercats se dizia ser um ser eterno quando se transformava dizendo: “Antigos espíritos do mau transformem essa forma decadente em Mumm-ra, o ser eterno ...Os gols de pelé, as canções de Beatles e Elvis Presley, As vitórias de Airton Senna. Da pra contar nos dedos o que se diz eterno nos dias de hoje, mas nada é mais eterno do que as horas dentro de um onibus de viagem, tanto indo ou voltando pra casa.
Cada minuto é uma hora, fora o balançar, o rangir das poltronas, quilômetros de mato beirando o asfalto que você ve pelo vidro, animais feito massa de pizza no meio da pista e um banheiro pequeno e mal cheiroso.
Ai depois, com muito esforço, depois de ouvir todos os mp3 de seu celular, os roncos do motor do onibus misturado aos roncos dos demais passageiros que dormem pra fugir do tédio do tempo de espera até chegar ao seu lugar de destino, você cochila na poltrona inclinada cutucando o vizinho da frente com suas 'pézadas' insanas sendo também cutucado pelo vizinho de trás também com pézadas, acordando horas depois com um motorista que grita lá da frente após estacionar o mesmo: "Parada, Itumbiara,20 minutos pra beber água e ir ao banheiro". Poxa, a gente acha nesse momento que chegou em casa mas quando ve ainda falta quilometros e quilometros vendo mato beirando asfalto.
Cheguei a pensar numa versão nova do Mano Brown de um dos seus sucessos cantando:"Tic-tac ainda é 9:40 o relógio no ônibus anda em câmera lenta"
Tem gente que habita mais dentro de um ônibus do que na sua própria casa e diz adorar essa vida. Tem aqueles que gosta de viajar mas deseja a todo momento ter o poder do teletransporte, pra ir e vir aos lugares que deseja.
Já pensou se houvesse punições judiciais voltadas à aqueles que revelam não gostar de fazer viagens longas dentro de um ônibus.
"Você roubou,assaltou,mentiu, então viajará do Iapoc ao Chúi direto, ida votla sem parar", diria o juiz setenciando uma infração razoavelmente leve,  ao réu, batendo com seu martelo de madeira. "Você estuprou, seduziu crianças, bateu em mulheres, em idosos, matou animais e desviou dinheiro dos cofres  públicos, então esta condenado a viajar a vida toda vida ate chegar ao inferno seu covarde", o juíz com certeza não perdoará ninguém em frações gravissimas.
Nesse caso, até construiriam um ônibus especial aos parlamentares, com poltronas extras pra caber todo mundo, com direito a pizza e canções do Tiririca.
O reality show usaria  a situação como prova do programa, pois daí Pedro Bial diria:"A prova do líder de hoje será de resistência, serão 8 horas de viagem de onibus e quem resistir sem reclamar será o novo líder"
Agora para aqueles que gostam de viajar de ônibus, iria ter o "Busão Terapeutico", pra relxar do stress do dia-dia.
O passageiro teria a liberdade de escolher a poltrona e o lugar quiser.
Teria aqueles que iria sorrir com as mãos atras da nuca, deitado numa poltrona inclinada, só de meias recordando os bons momentos da vida e também teria aqueles que choraria com o rosto colado ao vidro olhando pro nada, pra pista. O passageiro e cliente poderia reclamar caso  visse alguma regularidade no "busão terapeutico": "Po motorista, enxarquei a testa com as lágrimas de alguém".
Mas toda e qualquer viagem independente da distância e do tempo gasto nele vale a pena quando retornamos ao nosso lar, depois de anos morando em outro por causa de tais condições particulares, ou por rever a familia que mora longe, os amigos ou um grande amor que a distância não separa.

Texto escrito no dia 16/11/2010 e reeditado no dia 27/06/2011

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Era a morte dando a volta (parte I)

Ela não resistia aos encantos de um anúncio que costumava soar das caixas de som velho, daquelas que você mais ouve os chiados do que a própria voz do anunciante, que são interrompidas várias vezes por músicas bregas dos anos 80, sob o teto de um carro também velho e popular, vendendo frutas, legumes, verduras, queijo branco, peixe fresco, pães, churros, produtos de limpeza ou oferecendo consertos de panelas, mas, naquele dia, ela foi até o portão, abriu e recebeu em mãos do vendedor aquilo que ela costumava a comprar sempre, sendo chamada com muito carinho pelo nome, daquele vendedor que circulava pelo bairro oferecendo seus produtos a 20 anos: "Já sei dona Rosa, a senhora quer uma pamonha doce e outra de sal não é!?". Dona Rosa respondeu apenas com um sorriso. Ele conhecia cada freguês ou frequesa e sabia o que cada um gostava.
Ela pegou as duas pamonhas, mandou 'pendurar na conta', caminhou de volta pra dentro da sua casa e sentou-se com seu Mauro, seu marido, na mesa da cozinha pra tomar o café da tarde e discutir sobre as contas à pagar da casa.
O casal espalhou os talões de conta de luz, água, telefone, internet, mensalidade do curso dos filhos e os carnês das lojas sob os farelos que caiam do pão que seu Mauro comia, que manipulava uma calculadora, somando o total de cada conta, pra depois decidirem junto a melhor forma de pagar cada uma.
Mas em seguida tiveram que se levantar da mesa e atender os chamdos que vinham do fundos da casa: Socorro, socorro". Dona Rosa disse: "Vem da casa dos vizinhos" . 
Seu Mauro encostou a cadeira no muro, subiu nela e viu dona Emilia de joelhos clamando por ajuda, diante do seu marido deitado no chão com uma mão esticada e outra no peito, respirando fundo, com dificuldades.
Seu Mauro pulou o muro num movimento ríspido, num só salto, meio desiquilibrado, mas encorajado num espírito salva-vidas, tipo um menino em busca de uma pipa, mas já era tarde. Seu Antônio, marido de dona Emília, respirou bem mais fundo, suspirou com força esbugalhando os olhos, tirou a mão do peito deixando-a cair no chão, relaxando as pernas e se entregando a morte.
Dona Emília e seu antônio era um casal com mais de 60 anos, vizinhos de fundo, cujo a frente da casa dava de frente a linha férrea, na avenida Nagib Gabriel. Seu Antônio fumava demais, além de ter o péssimo hábito de tomar cachaça todos os dias, com a desculpa de ser um aperitivo para abrir o apetite minutos antes do almoço, ruím é que ele abusava desse aperitivo.

Mais tarde..

"Pior do que saber da morte de um amigo (vizinho), é presencia-la, de perto", se queixou dona Rosa cabisbaixa enxugando as lágrimas, sentando-se na cama, com um copo de água na mão e um comprimido na outra e, seu marido, já deitado e pronto pra dormir, também cabisbaixo, mas sem chorar, virou-se e complementou: "Pior do que saber ou presenciar a morte de um amigo, é saber que ela levou dois vizinhos em menos de 15 dias nesse mesmo quarteirão".
Ambos se olharam e  silênciaram-se num momento de reflexão até chegar o sono.



Era a morte dando a volta (parte II)

Dias depois...

.. Foi com muito capricho de uma essencial dona do lar, que ela passou os uniformes do colégio dos filhos que acordavam tarde e aos poucos, deixando-os pendurados no guarda roupa, de maneira que as crianças visse sem muito esforço pra procurar, atenta ao feijão no fogo baixo, as batatas que fritavam em uma frigideira de teflon quase carbonizada e a torta de carne moída no forno. Fez questão de preparar uma jarra de suco de tangerina, daqueles em pó, que a gente compra na mercearia, pondo uma lata de cerveja pra gelar, pro marido, que assistia deitado no sofá da sala o resultado da ultima rodada do campeonato de futebol, num programa de tv, também atento ao horário de voltar ao trabalho, com a botina 'chulezenta' jogada no meio da sala e brincando com o Bob, o vira-lata de estimação da família Queiroz.
Dona Rosa abaixou mais o fogo e foi atender os chamados de uma vizinha no portão, que dizia que o terço seria na casa dela, e que dona Rosa estava convidada para participar da reza. A vizinha, a mesma que convidara para o terço em sua casa, dizia também que uma viatura do corpo de bombeiros levou a dona Sílvia para o hospital, vomitando, que veio a falecer na madrugada do mesmo dia. "Que dona Sílvia?", perguntou Dona Rosa - "A diarista, que mora virando a esquina, na rua Vital Brasil".

Era a morte dando a volta e o terceiro a falecer em um mês.

Depois desse dia, a familia Queiroz toda migrou de casa em casa, pedindo humildemente hospedagem aos vizinhos vivos que restavam, aonde nesse período, outros dois, de casas anteriores da casa onde a família mora, também vieram a falecer. A morte vinha como uma uma avalanche, que caminhava devagar passando por cima dos moradores de cada casa daquele quarteirão, escolhendo um pra dar volume a mesma avalanche.
Depois de habitarem em três casas do mesmo quarteirão, resolveram hospedar-se na casa de um parente, em outro bairro distante dalí e da morte que os rondavam, mas na mesma cidade por durante um mês mais ou menos.
A avalanche passou mas pulou a casa da família, não sei se pulou por esta vazia, ou  se pulou por não querer nada com eles,  só sei que levou um habitante de uma casa depois da deles. Sendo assim voltaram todos, crendo que a mesma avalanche não andaria para trás, encontrando as folhas secas do outono forrando o quintal, edições de jornais desatualizados, cartas na caixa de correspondências e o Bob em decomposição no jardim.


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sexta-feira, 17 de junho de 2011

O mistério do telefone celular

Toda roda de amigos no fim de festa quando acaba a bebida, a comida e principalmente o assunto, costuma surgir da boca destes que ainda são jovens várias piadas, que vão daquelas antigas (do papagaio, do português, da loira) que seu avô contava e já perdeu a graça à aquelas feitas pra zuar um camarada da turma, tendo sempre um que se destaca por ter um repertório extenso de charadas além de piadas, interpretando-as com gestos, caretas, imitações, ainda mais motivado com doses de qualquer bebida alcoólica, se tornando o "mestre de cerimônia piadal".
Certa vez, o "mestre de cerimônia piadal", sentado em uma mesa rodeado de amigos da mesma idade, que além de amigos são admiradores do seu talento humorístico, nos virou e contou:

__ Sabe a semelhança do celular e da celulite?
__ Qual?
__ É que todo bundão tem.

Todos riram exceto um, que virou pro moço engraçadinho e disse: "não entendi".

Ele tinha toda razão de não entender, principlamente a parte do celular que diz que todo bundão tem um. É que esse moço que não entendeu a piada é novo e não pegou a época em que o telefone celular era artigo de luxo, sendo possuído apenas por empresários, executivos, artistas, profissionais liberais com bom ganho salarial, ou aqueles 'bundões', que comprava um pra se exibir e tal, mesmo não tendo uma boa estética e sendo apelidado de "tijolão", devido o tamanho.
 Hoje, até criança caminha com um no bolso, com uma variedade de modelos, cores e funções a escolher, deixando de ser artigo de luxo pra ser artigo de comunicação de extrema necessidade, com preços acessíveis pra todo mundo.
Mas mesmo o telefone celular evoluído e cheio de parafernalhas, que vão além de apenas comunicarmos a distancia uns com os outros, continua ele sendo um mistério pra todo mundo, digo, pois ele só toca nos momentos em que não podemos atender, pelo menos o meu é assim.
Por exemplo: enquanto a gente toma banho é a hora em que ele mais insiste em tocar, basta abrir o chuveiro que ele toca, fazendo você correr molhado de toalha pelos corredores da casa, patinando pelo chão liso, deixando um rastro de gotas de água e sabão e, assim que chega até ele, o mesmo deixa de tocar, repetindo-se por várias vezes lhe fazendo de bobo; é como se a válvula que abre a ducha estivesse interligado com o telefone, você liga ele toca, desliga ele para.
Eu chego a ouvir o toque do meu telefone soar do chuveiro quando à abro, misturado com o barulho da água que cai no chão e da água que escoa do ralo pro esgoto. Será que se eu instalar um fio com um telefone no chuveiro, eu consigo falar com quem esta me ligando sem ter que sair do banho? Será que não correrei o risco de levar um choque usando o telefone ligado por um fio no chuveiro, molhado e descalço com os pés no chão, caso eu faça isso?
E o mais interessante é que quando saio do banho, o que mais tem são mensagens enviadas pro meu telefone móvel que diz: "ou, você não atende mais o telefone?", ou se não, "não quer falar comigo porquê?", e as vezes: "Ta fugindo da divida, não é!?". OPS! Essa parte a gente pula.
Não gosto de ter que levar o mesmo pro banheiro, pois dizem que a umidade estraga o painel de sistema, mais uma vez o levei e deixei no vitrô, encostadinho de banda olhando pra mim enquanto eu também olhava pra ele, mas ele não tocou.

"É o mistério do telefone celular"

quinta-feira, 9 de junho de 2011

O amor pode estar do seu lado

Ela fez questão de acordar ao meio dia do domingo; ele, acordou as 6:30,  devido a força do hábito semanal, fez café, organizou as calças, a jaqueta, as meias, que ficaram no caminho, vestindo pijama até a hora dela se levantar.
Ela se levantou um pouco além do meio dia como ele esperava e nem quis tomar café. Sentiu enjoo ao respirar o cheiro que exalava da xícara de café já frio, que ele a serviu, com a mão na cabeça que doia, depois de uma noite de embreaguês e muito rock n roll, se despedindo do mundo que ficou de acabar no dia 21 de maio, enquanto ele subia num banco, pra pegar de dentro de uma caixa em cima do armário branco de mogno, um remédio pra dor de cabeça dela. Era sim sempre, um cuidava do outro.
Ela deitou no sofá, ele sentou na poltrona; ela ligou a TV, ele abriu um livro.
Mais tarde, depois do almoço, enquanto ela vinha da rua trazendo chips e energético, ele se levantava da cama, do sono pós-refeição e ligou a TV pra assistir o futebol.
Ela se queixava e dizia que os homens só se aproximavam dela devido a beleza, do rosto angelical, dos pés pequenos que tocavam o chão com sutileza, a procura de sexo e nada mais. Ele se queixava que as mulheres se aproximavam dele por causa do nome, do status, da procedência familiar e nada mais. Ambos eram amigos, saiam sempre juntos, sempre respeitando um ao outro, mas, quem os viam de longe, achava que eram um casal, até então descobrirem que eram amigos, quase irmãos.
Ela sonhava em casar, ter filhos, família. Ele se importava com o amor, amigos e não com o dinheiro.
Vieram de cidades distintas, se conheceram e resolveram morar juntos a um ano em um apartamento que mal cabia os móveis, buscando a independência, trazendo na bagagem de cada um  histórias de lutas individuais que comoviam quem os conheciam.
Ela disse pra si mesmo que queria experimentar e se relacionar com outras mulheres, afirmando que só as mulheres se conhecem, e já que se conhecem, podem muito bem dar amor e cumplicidade uma a outra.
Ele, resolveu frequentar festas em clubes renomados da cidade, usufruir do sobrenome, pra entrar em bailes e aparecer nas colunas socias dos jornais locais.
Mas ela descobriu que não dava pra fugir e ser o que não era, que cabia a ela ter paciência, viver cada dia como se fosse o último e deixar a natureza das coisas fluirem.
Ele, também fez descobertas, que sua essência era outra, diferente da que o mundo queria que fosse, voltando ser o que sempre foi, preenchendo o vazio que sentiu.
Um mês depois, foram ao show do Jota Quest, e na pista, durante o show, ele, ela e os amigos pulavam em um circulo de mão dadas, enquanto o cantor do palco, que tambem pulava, cantava:

"O amor é o calor que aquece a alma"

Ele e ela, soltaram-se do circulo de amigos e continuaram de mãos dadas, se olharam com um sorriso largo que emitia tamanha felicidade e, em um momento inusitado e expontâneo deram um beijo. Se assustaram com a tal atitude involuntária de ambos, fizeram de conta que nada havia acontecido, soltaram-se das mãos, desfez do sorriso largo dando lugar a um tom rosado nas faces de cada um, olharam para os amigos que não perceberam e continuavam a pular em círculos, depois pro palco aonde o cantor continuava pulando e cantava:

"Que o amor pode estar do seu lado"

sábado, 4 de junho de 2011

Vidas ásperas

No mesmo ano em que surgiram fatos históricos que marcaram o mundo, também surgiu ele, saltando do ventre da mãe sujo de sangue e placenta, se livrando com as pequeninas mãos ainda sem coordenação motora, daquelas coisas toda que o envolvia, quase arrebentando o próprio cordão umbilical, como se não visse a hora de respirar o ar planetário, sentindo o arder dos pulmões ainda roxos, chorando horrores, reclamando de alguma coisa que ninguém sabia; eis os primeiros sinais de um bebê sizudo e ansioso, que se comunicara batendo as 'mãozinhas' no tórax, pedindo leite materno logo nos primeiros meses.
Enquanto João Paulo segundo sofria um atentado na Praça São Pedro, atingido por duas balas disparadas por um terrorista turco, João, que não era Paulo, mas recebia o nome homenageando o mesmo, era aguardado em casa pelos irmãos, primos e outros familiares com muito carinho.
Desde criança era muito sistemático, organizando o lanche e o suco na lancheira, sentando na penultima carteira da segunda fileira, da parede da janela pra porta, do primeiro ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, longe do ventilador sem sentir calor, longe do pó do giz sem deixar de ouvir as aulas e perto do sol que reluzia pela janela pelas manhãs de todos os dias. Confusão na certa pra quem tentasse o tirar dalí, ou pra quem sentasse no seu lugar caso ele chegasse atrasado para aula (mesmo sendo quase impossível um atraso deste), desregrando suas leis metódicas.
Tinha o hábito de alinhar os chinelos um do lado do outro deixando-os com as correias pra cima, de beber água girando o copo pra não tocar os lábios aonde já havia tocado, de organizar cédulas de dinheiro das notas maiores para as menores, de não pisar nas riscas que divide as faixas das calçadas, de dormir as 22:00 em ponto, de isolar todas as fretas posíveis do quarto, pra evitar qualquer entrada de ilumiosidade e som externo, de evitar ruas com volumes de carros, que emitem monóxidos de carbono no ar, de lavar a louça com água quente, e outros; sendo motivo de chacota por aqueles adolescentes desleixados que não o compreendia e muito menos respeitava.
Mais tarde, já dotado de maturidade, outra forma física e manias, acordou num certo dia, sentindo áspereza em tudo em que tocava. Tinha a sensação de deslizar uma pedra pomes quando lavava as mãos com sabonete, de que o lençol da cama estava forrado de carrapichos do mato, de que um rolo de arame farpado surgia na toalha quando enxugava o rosto, que o papel higiênico se transformava em uma lixa de parede, sentindo o chão pedregoso do asfalto comer a sola dos pés quando caminhava pelas ruas mesmo calçando tênis. Pra trocar de roupa era uma dificuldade e tanto, pois sentia nas costas um gato deslizar as unhas cravadas na pele enquanto tirava a camiseta. Dentro do sapato, grãos de areia grossa, cujo os pés grudava num velcro invisível aos levanta-los do chão, e na gola da camisa, espinhos pontudos de sizal que não o deixava virar o queixo de um lado para o outro.
Um dia João se banhou de creme hidratante do dedão do pé até a testa, com visiveis e exagerados tufos brancos de cremes no rosto, saiu de casa, trajando apenas o short de dormir, meia e chinelo, caminhando lentamente na ponta dos pés com os braços erguidos, sem poder tocar em nada, tipo um orangotango que corteja a fêmea, despertando a curiosidade e a estranheza dos demais transeuntes que alí cruzava seu caminho até a mercearia mais próxima.
Assim que ele entrou um homem gritou, "chamem a polícia", outro que o conhecia disse: "coitado", um menino tão bom", e uma senhora se escondeu atrás de um freezer.
João, escolheu o que queria, caminhou-se até o caixa e perguntou: "quanto custa esse barbeador?"

Depois daquele dia sua vida voltou ao normal.