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crônicas, contos e poesias

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O gazeteiro

"Na compra de um jornal você leva um brinde e só paga um real"

Era uma frase elaborada e decorada, mas bem que funcionava na época em que eu gazetava no farol do cruzamento das avenidas Piedade e Estudantes, em São José do Rio Preto-SP. Era um atrativo além da leitura, que eu oferecia toda quinta-feira para melhorar minhas vendas de jornal, mas tinha aqueles que com brinde ou sem brinde, nem olhava para o lado, permanecendo intacto, segurando firme ao voltante, até então eu insistir e completar a frase dizendo que o brinde era uma nota de cem reais. O 'Mauricinho' no carro do ano me virava num súbito e árduo movimento, sorrindo e já com a mão no bolso de trás pra tirar a carteira e comprar um jornal com o brinde faturado, pra em seguida fechar o rosto descobrindo que é mentira minha, com ar de "não teve graça" pra no fim eu sorrir, ou melhor, 'rolar' de tanto rir. Era uma mentira feita pra testar a personalidade destes mesquinhos movido a gasolina.
Percebi o quanto muitos se acham superior pelo simples fato de estar acomodado nos estofados de um carro, com ar condicionado e som potente, ainda mais diante de alguém que se expõe ao sol ardente, a chuva, o vento frio das manhãs e o perigo de ser atropelado por um motoqueiro enfurecido: "Hoje sou eu que está aqui, mas amanhã pode ser você", pensava eu com meus botões, apesar de achar que ninguém é mais que ninguém, por portar bens materiais que se degradam com o tempo.

"Na compra de um jornal você leva um brinde e só paga um real"

Era quase automático, pois bastava eu abrir a boca pra frase sair harmonicamente, as vezes saia com melodia virando refrão de uma música que não exisitia, ou só exisitia sem querer naquele momento e era aí que o cliente/motorista gostava..
O brinde oras era um caldo de galinha em tablete pra temperar a comida, oras era um cupom pra preencher e ganhar descontos na entrada do cinema e assim por diante e, de tanto pronunciar a frase, que era quase um slogan, me embananava todo trocando a ordem das palavras:

"Na compra de um brinde você ganha um real e só paga um jornal"

Caracas, quando eu percebia já tinha falado, era a força do hábito versus o tempo escasso que corria atrás de mim, feito avalanche nas montanhas geladas de um pólo qualquer do nosso planeta imenso, cujo eu ia de carro em carro, naquelas longas filas de motoristas impacientes, que eu sem perder a minha, cumpria meu horário de labuta feliz da vida

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