supercrônico

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crônicas, contos e poesias

sábado, 4 de junho de 2011

Vidas ásperas

No mesmo ano em que surgiram fatos históricos que marcaram o mundo, também surgiu ele, saltando do ventre da mãe sujo de sangue e placenta, se livrando com as pequeninas mãos ainda sem coordenação motora, daquelas coisas toda que o envolvia, quase arrebentando o próprio cordão umbilical, como se não visse a hora de respirar o ar planetário, sentindo o arder dos pulmões ainda roxos, chorando horrores, reclamando de alguma coisa que ninguém sabia; eis os primeiros sinais de um bebê sizudo e ansioso, que se comunicara batendo as 'mãozinhas' no tórax, pedindo leite materno logo nos primeiros meses.
Enquanto João Paulo segundo sofria um atentado na Praça São Pedro, atingido por duas balas disparadas por um terrorista turco, João, que não era Paulo, mas recebia o nome homenageando o mesmo, era aguardado em casa pelos irmãos, primos e outros familiares com muito carinho.
Desde criança era muito sistemático, organizando o lanche e o suco na lancheira, sentando na penultima carteira da segunda fileira, da parede da janela pra porta, do primeiro ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, longe do ventilador sem sentir calor, longe do pó do giz sem deixar de ouvir as aulas e perto do sol que reluzia pela janela pelas manhãs de todos os dias. Confusão na certa pra quem tentasse o tirar dalí, ou pra quem sentasse no seu lugar caso ele chegasse atrasado para aula (mesmo sendo quase impossível um atraso deste), desregrando suas leis metódicas.
Tinha o hábito de alinhar os chinelos um do lado do outro deixando-os com as correias pra cima, de beber água girando o copo pra não tocar os lábios aonde já havia tocado, de organizar cédulas de dinheiro das notas maiores para as menores, de não pisar nas riscas que divide as faixas das calçadas, de dormir as 22:00 em ponto, de isolar todas as fretas posíveis do quarto, pra evitar qualquer entrada de ilumiosidade e som externo, de evitar ruas com volumes de carros, que emitem monóxidos de carbono no ar, de lavar a louça com água quente, e outros; sendo motivo de chacota por aqueles adolescentes desleixados que não o compreendia e muito menos respeitava.
Mais tarde, já dotado de maturidade, outra forma física e manias, acordou num certo dia, sentindo áspereza em tudo em que tocava. Tinha a sensação de deslizar uma pedra pomes quando lavava as mãos com sabonete, de que o lençol da cama estava forrado de carrapichos do mato, de que um rolo de arame farpado surgia na toalha quando enxugava o rosto, que o papel higiênico se transformava em uma lixa de parede, sentindo o chão pedregoso do asfalto comer a sola dos pés quando caminhava pelas ruas mesmo calçando tênis. Pra trocar de roupa era uma dificuldade e tanto, pois sentia nas costas um gato deslizar as unhas cravadas na pele enquanto tirava a camiseta. Dentro do sapato, grãos de areia grossa, cujo os pés grudava num velcro invisível aos levanta-los do chão, e na gola da camisa, espinhos pontudos de sizal que não o deixava virar o queixo de um lado para o outro.
Um dia João se banhou de creme hidratante do dedão do pé até a testa, com visiveis e exagerados tufos brancos de cremes no rosto, saiu de casa, trajando apenas o short de dormir, meia e chinelo, caminhando lentamente na ponta dos pés com os braços erguidos, sem poder tocar em nada, tipo um orangotango que corteja a fêmea, despertando a curiosidade e a estranheza dos demais transeuntes que alí cruzava seu caminho até a mercearia mais próxima.
Assim que ele entrou um homem gritou, "chamem a polícia", outro que o conhecia disse: "coitado", um menino tão bom", e uma senhora se escondeu atrás de um freezer.
João, escolheu o que queria, caminhou-se até o caixa e perguntou: "quanto custa esse barbeador?"

Depois daquele dia sua vida voltou ao normal.

Um comentário:

  1. GENTE, PRA QUEM COSTUMA DAR AQUELA PASSADINHA PRA LER MINHAS CRÔNICAS, ME DESCULPE PELA DEMORA A PUBLICAR NOVOS TEXTOS, É QUE O BLOGSPOT NÃO ESTA ABRINDO NO MEU COMPUTADOR, E AGORA TENHO QUE PEDIR A GENTILEZA DE ALGUÉM PRA ME EMPRESTAR O PC POR ALGUNS INSTANTES PRA PODER CONTINUAR PUBLICANDO, MESMO QUE DEMORE, OBRIGADO PELA COMPREEENSÃO

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