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crônicas, contos e poesias

sábado, 5 de fevereiro de 2011

O louco homem do Quarto/Mundo


Parecia até um boêmio carioca, daqueles do Leblon, que perambula a noite sozinho pelo largo da Marginal da praia, mas não, é um interiorano paulista que traje paletós velhos, usados e amarrotados, por cima de uma camisa do Santos Futebol Clube, que ganha dos Doutores locais ou que acha na rua, criando o seu próprio estilo, chique-vagabundo de ser.
Um dia ele me abordou e me exibiu um óculos escuro que não caia nada bem com seu rosto arredondado, face oleosa, com pelos mal distribuído por cortar e gotículas de água entre o lábio superior e o nariz pequeno, mas que o colocava e desfilava alegremente sem se importar com o ridículo.
Mas ele mal saia do seu quarto da casa velha de esquina aonde virava o ônibus coletivo da linha “Mini-Distrito/Cristo-Rei” e “São Judas/Jardim Soraia”. Os passageiros curiosos quando passam pescoçam, esbugalham seus olhos pra dentro da janela de madeira aberta que fica de frente pra rua, fitam e riem do seu cabelo crespo, alto e cortadinho dos lados, semelhando um panetone ou um caixa de jóias. Ele só saia de casa pra pedir dinheiro, mentindo e dizendo que era pra pegar o ônibus, o mesmo mini-Distrito/Cristo-rei ou São Judas/Jardim Soraia, mas quando alguém lhe dava, corria pro bar, enchendo sua garrafinha pet transparente com marcas sujas de digitais explícitas do lado de fora, pra beber em casa. Tinha gente que com pena dava o dinheiro que ele pedia, mas desconfiado de que não fosse pra tomar o ônibus coletivo, passaram a dizer não assim que ele pedisse. Nisso ele mudou a estratégia; pegava o dinheiro daqueles que ainda davam, esperava pelo ônibus coletivo no ponto, embarcava-o assim que encostava, mas durante o trajeto, mentia para o cobrador, dizendo que tinha esquecido o dinheiro, que o fazia descer no próximo ponto, que por sinal ficava em frente a um bar. Além de ganhar o dinheiro que pedia, enganava aquele que lhe dava e facilitava a sua locomoção até onde ele desejava ir. Essa era a estratégia do inteligentíssimo morador da casa velha.

                    PARE DE TOMAR A PÍLULA


Liga o seu rádio chiante e vive seu mundo dividido com pôsteres de filmes que foram sucesso nos anos 80 e atrizes americanas.
O louco homem já fez até um churrasco com uma só lingüiça no seu Quarto/Mundo com a trilha sonora de Raul Seixas, dançando, cantando e mexendo com as moças que transitava pela sua calçada. Tinha numa prateleira uma coleção de vinil antigo, onde se encontrava álbuns Júlio Iglesias, Odair José, Roberto Carlos, Tina Turner, Rita Lee. Fazia uma verdadeira suruba musical, riscando os discos brincando de DJ. Diz ele que já foi um DJ na vida.

                 EU NASCI, HÁ DEZ MIL ANOS ATRÁS...”

Populares que a conhecem se perguntam: “O que pensa o louco homem do Quarto/Mundo? Porque não trabalha uma vez que ainda é moço e tem força se livrando d euma vez dessa vida medíocre? Porque se submete ao próprio cárcere? E sua família o que pensa?” Curiosos que a descobrem temem suas maluquices, mesmo não lhe conhecendo bem. Pra mim ele não é maluco coisa nenhuma, é um estilo de vida, assim como é ser punk, ser gótico, ser cowboy, ele é isso que a gente vê, que não sabemos bem o que é, por prazer, por vaidade.
Adotou o “Maluco Beleza” como hino para a sua vida e se redime trancado no seu dormitório ou ‘Quarto/Mundo’ e às vezes conversa com um cachorro magro que fica preso numa corrente entre o muro e a parede do lado de fora do seu quarto.  Os pôsteres colados na parede de filmes de atrizes americanas próximo ao teto e uma placa de plástico escrito “DJ MIX”, ele diz que ganhou de um amigo... Mas que amigo? Se seus amigos são um rádio velho chiante, um vira-lata encarcerado num corredor sujo e um masso de cigarro amassado que umedece no bolso.

“Maluco Beleza” ou “Louco homem do Quarto/Mundo”, discriminado, excluído por parte da sua comunidade, esquisito e engraçado, às vezes chora às vezes ri, normalmente como qualquer ser humano, bebe cachaça, fuma seu
cigarro amassado e úmido, ouvi suas músicas no seu rádio velho que chia, se masturba e se redime trancado, vivendo a sua vida medíocre em um pequeno espaço, transformando o seu quarto em um mundo particular e bizarro... Em um Quarto/Mundo

Vagner Zaffani – 14/11/2002 – São José do Rio Preto (texto-7)

Um comentário:

  1. Esse nobre vagabundo,figura adoravel...mistura de "Agostinho Carrara" com malandro da lapa,nunca me enganou,ardiloso, mas quem o vé maltrapilio ou ridiculo tem dó ou repudio,essa do onibus eu num sabia ,confirmou minhas suspeitas!Só vc tão sagaz poderia notar...Se o alcool num o governasse,ele poderia governar é a cidade! acho que o quarto mundo a que vc se refere fica ali na dimensão do vicio,um elo perdido onde cairam descuidados,o que num tem nada a ver com potencial e inteligência!Parabens pelo post!

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